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Edição electrónica das Actas
do III Congresso de Estudos Rurais (III CER) – Agricultura Multifuncional,
Dinâmicas de Desenvolvimento Rural e Políticas públicas, Faro,
Universidade do Algarve, 1-3 Novembro de 2007 |
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Uma apresentação geral, um balanço, algumas pistas para o futuro
António Covas¹
Luís Moreno²
¹ Universidade do Algarve, Faculdade de Economia
² Univ. Lisboa, CEG; membro da Comissão Organizadora
destacado pela SPER para se articular directamente com a UAlg na realização do
III CER.
Nos dias 1, 2 e 3 de Novembro de 2007 realizou-se na Universidade do Algarve (UAlg), nas
instalações do sua Faculdade de Economia (Faro, Campus de Gambelas) o III Congresso de Estudos Rurais (III CER), na sequência dos sucessos das
edições anteriores em Vila Real (I CER, 2001) e Angra do Heroísmo – Terceira,
Açores (II CER, 2004).
Sendo os CER promovidos pela Sociedade Portuguesa de Estudos Rurais (SPER), na sua terceira edição foi possível contar com a parceria da
UAlg, materializando-se o evento com
o apoio do Magnífico Reitor desta Universidade (Prof. João Guerreiro) e da
equipa composta pelo Secretariado e pelas Comissões Organizadora e Científica,
tendo a operacionalização sido por nós coordenada.
Tal como
apresentámos no anúncio público (ver aqui
o cartaz), o III CER refere-se à terceira edição de um fórum alargado de
reflexão em torno dos estudos rurais, com múltiplos olhares sobre um meio em
profunda mutação. Afirmou-se, portanto, como um espaço de participação
multidisciplinar, acolhendo contribuições científicas e perspectivas técnicas de
domínios muito diversos, num encontro de enriquecimento plural, tanto de
académicos como de profissionais de organismos públicos, privados e
associativos, de algum modo comprometidos com os processos de mudança em meio
rural.
Para além de uma visita de estudo prévia à Quinta do
Freixo (unidade rural multifuncional do concelho de Loulé) e da Conferência Inaugural
do Prof. António Vázquez Barquero (Univ. Autónoma de Madrid), o congresso
desenrolou-se em três painéis de comunicações: 1) Agricultura Multifuncional); 2)
Dinâmicas de Desenvolvimento Rural; 3) Políticas públicas de desenvolvimento
rural para 2007-2013. A coordenação do primeiro painel coube a António Covas, o
segundo a João Castro Caldas (ISA-UTL) e o terceiro a Fernando Oliveira Baptista
(ISA-UTL).
Enquanto que o primeiro coordenador redigiu ele
próprio as conclusões da sua mesa / painel e apresentou algumas linhas de
trabalho para o próximo futuro (ponto 1, adiante), os segundo e terceiro
coordenadores aceitaram delegar em Luís Moreno essa tarefa, após uma pequena
“passagem de testemunho” (pontos 2 e 3, adiante). Seguem-se, então, as sínteses
conclusivas, por nós esboçadas.
1. As
comunicações apresentadas na mesa “agricultura multifuncional”.
Nesta mesa foram apresentadas 22 comunicações. Eis os
temas principais:
a)
As representações simbólicas, a
identidade e a identificação de certos grupos sociais com determinada estrutura
da paisagem,
b)
A metodologia das unidades de
paisagem e a sua importância para o ordenamento e a gestão dos territórios,
c)
A dinâmica dos sistemas de pastoreio
extensivo, a rede nacional de matas e perímetros florestais e a gestão do risco
de incêndio,
d)
As dinâmicas dos sistemas produtivos
agrários do Alentejo, as dinâmicas de instalação de jovens agricultores e as
famílias da “segurança social”,
e)
Os modelos de interacção espacial
com o uso do solo, os sistemas agrícolas e os indicadores agro-ambientais do
Baixo Guadiana,
f)
Os sistemas agrícolas, a gestão da
biodiversidade e a biofabricação,
g)
O combate contra a desertificação e
a fragilidade das redes sócio-institucionais de suporte,
h)
A ética dos negócios, a
responsabilidade social e a eco-eficiência a propósito da sustentabilidade,
i)
A economia
das convenções, os actores, a confiança e a construção do capital social,
j)
Casos
práticos de agricultura multifuncional: a Herdade do Freixo do Meio, a Herdade
da Figueirinha, o Parque de Natureza de Noudar.
1.1. As
relações destes temas com o conceito de multifuncionalidade.
A multifuncionalidade é um sistema
de vasos comunicantes. Os seus elementos constituintes são de proveniência,
natureza, intensidade e frequência muito variadas. A fluidez do sistema depende
da variedade, complementaridade, funcionalidade e integração dos seus
elementos. A partir das comunicações pode afirmar-se que:
a)
a multifuncionalidade aumenta o
número e a qualidade das representações simbólicas, antropológicas e/ou
etnográficas,
b)
a multifuncionalidade interage
positivamente com o ordenamento e a gestão do território e da paisagem, do
conflito de usos do solo até à gestão do risco de incêndio,
c)
a multifuncionalidade aumenta o
número e a qualidade das estratégias familiares,
d)
a multifuncionalidade melhora a
estratégia comunicacional e comercial das empresas que desenvolvem acções de
certificação das suas práticas,
e)
a multifuncionalidade interage
positivamente com a conservação e a gestão da biodiversidade,
f)
a multifuncionalidade diversifica as
lógicas de integração produtiva: fileiras, clusters, sistemas produtivos
locais, teia funcional, denominações de origem protegida, serviços
ecossistémicos.
1.2. O
próximo futuro: tendências e linhas de trabalho.
As tendências pesadas já aí estão: a
globalização e a crescente volatilidade dos mercados, a forte presença do
factor contingência e a vulnerabilidade ao risco global, o recuo dos poderes
públicos em matéria de regulação e a fragilidade das formas de governança com
origem na “sociedade civil”.
Por outro lado, anunciam-se alguns
movimentos com interesse, com importância variável consoante os países e as
regiões: a reagrarização da base produtiva por via dos modos de produção
não-convencional e as culturas energéticas, um surto industrialista ligado à
nova economia energética, seja por via da transformação das culturas
energéticas ou da produção de energia por via dos recursos renováveis, por
último, a terciarização por via do turismo e lazer e da economia residencial.
Dito isto, as linhas de trabalho
para o próximo futuro, num quadro muito abrangente de multifuncionalidade,
podem ser, entre outras, as seguintes:
1)
Aprofundar a lógica dos sistemas
produtivos locais, em diferentes escalas e contextos, reforça o sistema
multifuncional,
2)
Aprofundar a economia do ambiente e
dos recursos naturais, no que diz respeito à valoração e valorização das
externalidades e das internalidades, reforça o sistema multifuncional,
3)
Aprofundar a economia do carbono da
agricultura, no que diz respeito à formação dos créditos verdes, reforça o
sistema multifuncional,
4)
Aprofundar a economia biodiversa, no
que diz respeito à associação entre economia, conservação e biodiversidade,
reforça o sistema multifuncional,
5)
Aprofundar o estudo das estratégias
familiares ao longo do seu ciclo de vida reforça o sistema multifuncional,
6)
Aprofundar a gestão dos bens
jurídicos no que diz respeito à evolução dos direitos de propriedade e dos
direitos de acesso, da noção de utilidade pública do bem privado e da
divisibilidade do bem público tendo em vista a sua exploração, reforça o
sistema multifuncional.
A multifuncionalidade é, ainda, um
conceito em busca de uma realidade. Os sinais, todavia, já são evidentes e
todos decorrem, directa ou indirectamente, de uma combinação variável de
diversidade na base, de diversificação no processo e de diferenciação no
produto. Mas isto é quase tudo.
2. As
comunicações apresentadas na mesa “Dinâmicas de Desenvolvimento Rural”.
Neste painel foram apresentadas 26 comunicações, das
quais duas em forma de póster. De uma grande diversidade de abordagens, com
incidências em Portugal e noutros países de língua portuguesa (Timor-Leste e
Cabo Verde), os principais temas abarcados podem resumir-se em:
a)
As diferentes formas de Turismo em
Espaço Rural (TER) e a imbricação com os domínios do Lazer e Recreio: oferta e
procura, aspectos inovadores e o papel nas mudanças em pequenos territórios /
em meio rural,
b)
A «turistificação» e
patrimonialização: o recurso à História, à tradição e os processos de promoção
e valorização simbólica e material do património natural e cultural do meio
rural. A paisagem rural e as preferências de turistas e neo-rurais,
c)
A herança fundiária, direitos
privados e públicos e a responsabilidade social,
d)
Coesão social, relações de género e problemas
de equidade no acesso aos recursos,
e)
O papel de diversos planos,
programas e projectos nas dinâmicas de valorização territorial,
f)
O papel do associativismo, os
terrenos comunitários e os problemas da sua gestão,
g)
A utilização de modelos, métodos e
técnicas, a identificação de condições territorais, de atracção e de repulsa e
o papel dos serviços em meio rural.
2.1. As
relações destes temas com a matéria das «dinâmicas de desenvolvimento rural».
O Desenvolvimento Rural, processo
multiparticipado, em termos sociais, culturais, económicos e políticos, é uma
dimensão inalienável de todo o Desenvolvimento do país, procurando fortalecer a
densidade económica e relacional e a qualidade de vida nas áreas externas aos
que se consideram os centros urbanos. A partir das comunicações apresentadas, é
possível afirmar:
a)
O Desenvolvimento Rural (DR) implica
o reforço das condições de ligação urbano-rural – materiais e imateriais
(fluxos de pessoas, bens, serviços e informação) – diversificando, renovando e
articulando as actividades que se desenrolam em lugares, aldeias e vilas do
meio rural,
b)
As actividades turístico-recreativas são
vectores muito importantes da promoção dos espaços rurais e da realização de
mais-valias potenciadoras da sua sustentabilidade económica (e não só),
c)
O DR implica o desdobramento
criativo das formas de cooperação, em parceria e em rede, para a obtenção de
sinergias de valorização económica (ex.: produtos locais / tradicionais de
qualidade) social e territorial,
d)
O DR implica contar com medidas de evolução dos
direitos do ordenamento, ambiente e recursos naturais, no sentido de uma
reestruturação multiparticipada e de uma adaptação organizacional para a
multifuncionalidade integrada do espaço rural,
e)
As desigualdades sociais, incluindo
as de género, assim como os défices de qualificação e de cidadania – e a
pobreza – limitações mais ou menos sérias à coesão social e à retenção /
captação de recursos, são obstáculos essenciais aos processos de DR,
f)
A participação activa dos actores
institucionais, incluindo o tecido associativo qualificado, nos processos de
planeamento e ordenamento em meio rural, assim como na gestão do uso do espaço,
segundo o princípio da subsidiariedade, é fundamental para o DR,
g)
Os estudos e os processos de
investigação incidentes nas áreas rurais – a desenvolver mais de forma transdisciplinar
– são vectores
muito importantes da identificação dos problemas e da colocação em marcha de
processos de planeamento e de intervenção para o DR.
3. As
comunicações apresentadas na mesa “Políticas públicas de desenvolvimento rural
para 2007-2013”.
Neste painel foram apresentadas 20 comunicações, cuja
abrangência temática registou alguma compreensível imbricação com as matérias
da mesa anterior. Por isso mesmo, o ponto relativo ao “futuro, tendências e
linhas de trabalho” é adiante tratado de modo a integrar conjuntamente os
aspectos das mesas / painéis 2 e 3 (ponto duplo 2.2. & 3.2.). O Desenvolvimento
Rural (DR) permanece então a grande referência de enquadramento, focando-se
realidades de Portugal (sobretudo do Algarve e Alentejo), do Brasil e da
Guatemala. Os principais temas abarcados podem resumir-se em:
a)
O ensino agrário / agrícola e a sua
relativa atracção, eficácia, capacidade de inovação e influência em áreas
periféricas e no meio rural,
b)
O domínio educativo / formativo, com
formação (pró)activa, e a promoção do conhecimento, técnico e científico, bem
como da iniciativa empreendedora em meio rural para o desenvolvimento local / DR,
c)
A iniciativa cívica e política, com
influência de experiências europeias, em prol da valorização das condições de
investimento no meio rural (recursos humanos, técnicos e organizacionais ),
d)
O impacte das políticas de Ciência e
Tecnologia no DR (incluindo investimentos nas ciências agrárias e veterinárias)
e)
As novas tecnologias da informação e comunicação como factores de
inclusão e exclusão de territórios rurais face à “sociedade do
conhecimento”,
f)
A importância dos Programas de
Iniciativa Comunitária, como o LEADER e o INTERREG, bem como dos instrumentos
de Planeamento e Ordenamento, passados e futuros, no seu contributo para o DR,
g)
A economia política do confronto
liberalismo-proteccionismo com incidência no domínio agro-alimentar, a praxis
decorrente da globalização e modelos político-ideológicos de enquadramento das
políticas agrárias,
h)
O exercício do poder e dos poderes
locais, do Estado Local à participação associativa para o DR
3.1. As
relações destes temas com a incidência das Políticas Públicas para o DR.
a) O ensino agrícola tem dimensões técnicas e sociais
importantes para o DR, mas há limitações a considerar (ex.: ainda insuficiente
interacção escola – explorações / núcleos rurais) quanto à capacidade de
influência das instituições de ensino face às necessárias mudanças em meio
rural.
b) Não obstante, este [em a)] e outros domínios do
ensino, disseminados pelo país, têm vindo a “abastecer” razoavelmente os
“centros de competências” (autarquias, certas associações e cooperativas,
outras empresas e organismos do Estado), uns mais pequenos que outros, com
projectos dirigidos à melhoria das condições de vida e, até mesmo (com
actuações críticas), de revitalização rural...
c) Estes casos [em b)], mercê do uso de Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (sobretudo em banda larga), como
instrumentos de estruturação dos sistemas de organização e gestão, são os que
podem atenuar a chamada «divisão digital rural-urbano», criando
algum efeito de articulação e de rede no processo de combate às insuficiências
e disfunções económicas, sociais e territoriais, de acordo com a filosofia das
políticas decorrrentes da “Estratégia de Lisboa”,
d) Os impactes de Programas como o LEADER, activando a
inovação social-territorial em meio rural (favorecendo o empowerment, em articulação com outros recursos programáticos, como
o EQUAL), ou do INTERREG, promovendo a coesão territorial em áreas de baixa
densidade, extravasam as suas áreas de influência directas, tanto induzindo e
acompanhando práticas alternativas de actores e consumidores urbanos, com
reflexo no DR, como influenciando reorientações / reafinações das políticas
europeias e de países extra-europeus,
e) Como exemplo de resultado da aprendizagem obtida
com os acompanhamentos e avaliações dos programas e projectos co-financiados, entre
os novos instrumentos de programação concebidos para 2007-2013, no “PEN-Rur” (Plano
Estratégico Nacional: Desenvolvimento Rural) não deixam de se associar às
tradicionais medidas de enquadramento da produção agro-florestal e às
consagradas de coesiva valorização social e ambiental / patrimonial, decorrentes
da reforma da PAC, a integração da abordagem LEADER e a criação do Programa Específico para a Rede Rural Nacional, «de todos os eixos e para
todos os actores do desenvolvimento rural», para (in)formação, assistência,
qualificação e promoção interactiva, assim como «apoio à implementação e
avaliação da política de desenvolvimento rural».
2.2. &
3.2. O próximo futuro: tendências e linhas de trabalho – Desenvolvimento Rural:
Dinâmicas & Políticas Públicas para 2007-2013
O próximo futuro encontra-se, em termos de políticas
públicas face às necessidades de Desenvolvimento Rural, sob o signo da
integração e da programação mista: orientações top-down articularam-se para o QREN com propostas de
instrumentos bottom-up, que traduzem estratégias regionais e contributos do “local” para cada
Programa, incluindo o caso do PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural
2007-2013.
No que nos diz respeito, com o sistema de
financiamento estratégico que é consubstanciado no PRODER e no QREN, o processo
traduz a necessidade de fazer convergir sinergicamente as medidas de política
pública mais ou menos tecnocentradas e inspiradas em condições macroeconómicas
e em análises com elevado grau de agregação, com as formas de governança e
controlo que traduzem protagonismo de actores, incluindo os mediadores e
intérpretes das áreas rurais, de baixa densidade relacional, económica,
cultural e física.
No caso do “rural”, trata-se de fazer convergir
interesses sectoriais em perda (ex.: agricultura pouco ou nada competitiva) com
os dos recentes e ainda frágeis “beneficiários”, mais ou menos inovadores, de
uma ordem alternativa – não alternativa exclusiva mas afirmadamente includente
– que privilegia a multifuncionalidade e a combinação multi-escalar de esforços
(parcerias e redes) de promoção e viabilização de um mundo rural mais diverso,
flexível e resiliente. Esta convergência passa pelo encontro de produtores
tradicionais, modernos e pós-modernos com os mercados emergentes (obtenção de
alimentos e energias alternativas, turismo-lazer-recreio e serviços diversos), integrando
respostas sectoriais e outras face a crescentes solicitações de base urbana e
cosmopolita e alimentando o potencial de satisfação destas.
A intensificação programada das relações urbano-rural
são fundamentais neste sentido, para obter um processo continuado de
capacitação territorial, em poder regulador e em qualificação – logo implicando
uma certa pressão avaliadora e exigência de parte a parte – para a melhoria
sustentável da qualidade de vida de rurais e citadinos.